Encontrei no i esta entrevista da Carmo Rebelo de Andrade e achei que fazia sentido publicar este excerto.
É uma entrevista da Laurinda Alves, para ler na íntegra.
Se fizermos um zoom à humanidade percebemos que cada um de nós está sozinho?
Não... Na Índia, por exemplo, não estão sozinhos. As famílias são maiores, ficam sempre unidas; quando os filhos se casam ficam junto do pai, da mãe, dos avós...
Com tudo o que isso tem de bom e de mau...
Sim, com tudo o que isso tem de bom e de mau. Mas faz com que as pessoas traduzam os sentimentos e a sua forma de se dar de maneiras muito diferentes.
Quando chegaste a Calcutá foste bater à porta das Irmãs da Madre Teresa e escolheste fazer voluntariado no pavilhão dos moribundos. Os pobres mais pobres da Índia não te repugnaram?
Não pensei nisso. As irmãs andavam atrás de nós para usarmos luvas e máscaras e nós, nada. Eu ia muito inspirada pelos "Diários de Che Guevara" e, para mim, as luvas e as máscaras criavam uma distância que não queria. Lembro-me perfeitamente de, no filme, ele estar a tratar de leprosos com os médicos atrás a tentar obrigá-lo a usar luvas, e de ele dizer: "Não quero. As luvas são mais um entrave entre mim e a pessoa."
Fizeste o mesmo?
Sim. E também via outras sem luvas.
Fazias massagens e cantavas para os moribundos?
Cantava e eles adoravam. Às vezes punha--me a cantar no meio da sala, juntava três ou quatro pessoas, voluntários ou noviças, e cantávamos de tudo.
O facto de tocares nas pessoas doentes devolve-lhes a dignidade. Tinhas essa noção?
Sim... Aquilo era muito especial porque o que nós fazíamos era só devolver-lhes dignidade nos últimos momentos de vida. Eles iam morrer e tudo acabava simplesmente ali. Não havia projectos de futuro, nada mais era sustentável ou possível. Cuidar de moribundos é um gesto inteiramente gratuito.
O princípio da Madre Teresa foi esse mesmo: dar de graça e devolver a dignidade.
Tratar dos que nunca tiveram nada e iam morrer sem nada. No fundo é não querermos que morram sem saberem o que é ter alguém a cuidar deles, alguém a ter respeito pelo pudor deles, a trocar--lhes a roupa com delicadeza, a dar-lhes de comer, a limpar as feridas e tudo o resto.
A escatologia toda associada ao estado terminal. Não te faziam confusão os cheiros?
Tentava não pensar nisso e continuava ali a cantar, a dar-lhes massagens com óleo, porque eles têm a pele muito seca e gostam muito destes gestos.
Simplesmente estavas em comunhão com eles.
Sim. E aprendi que há gestos que são muito pequenos mas fazem o outro grande.
O que mais te marcou nesta viagem à volta do mundo?
O voluntariado. Foi o grande objectivo da minha viagem e foi "O" sentido. Viajar sem sentido, em minha opinião, é perigoso.
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