Terça-feira, 15 de Setembro de 2009

Obrigado, Paz!

Lembram-se dest post?Quando desafiei a Paz a escrever na primeira pessoa o testemunho da vivência dela em Moçambique?

Ora bem, a Paz aceitou. Aqui fica o seu testemunho. Obrigado, Paz!

 

Concluí a licenciatura em Enfermagem em Fevereiro deste mesmo ano.

Já tinha tido algumas experiências como voluntária num orfanato no Porto e com os “sem abrigo” mas faltava sempre mais qualquer coisa.

Partir para uma missão em África era um desejo que tinha há muito tempo e sabia que não ia descansar enquanto não o realizasse. Quando terminei o curso percebi que era a altura perfeita. Ainda hoje não sei qual a razão, mas Moçambique era realmente um país que me atraía muitíssimo.

Não sabia por onde começar, não sabia para onde ir, não sabia que trabalho iria fazer, não sabia bem o que me esperava; apenas sabia que queria ir.

Falei com uma colega minha, também enfermeira, e desafiei-a a vir comigo uns tempos para Moçambique. Ela disse-me rapidamente que alinhava e falou-me de um projecto que conhecia num orfanato. Mandamos um mail para as Irmãs do orfanato que nos disseram logo que éramos muito bem-vindas. E assim foi… de um dia para o outro tratamos da viagem, visto, consulta do viajante, etc etc e rapidamente nos pusemos a voar para lá.

Confesso que não estava à espera de encontrar o que encontrei. Foi um choque. Quais televisões, quais reportagens, quais descrições. Ao aterrar em Maputo engoli em seco. Acho que mal falei nos primeiros dias. Que realidade tão diferente. Senti-me desamparada. Percebi o quão vantajoso tem o ir em grupo para estas missões. É realmente preciso um grande suporte para nos apoiarmos porque custa a digerir. Penso que por mais insensível que uma pessoa seja, tanto lixo, tanto esgoto, tantas crianças a pedir esmola, tanta miséria, não passa indiferente a ninguém.

A verdade é que passado alguns dias comecei a digerir aquela sociedade tão diferente e quando dei por mim já não queria outra coisa. Rapidamente me apercebi que aquele país tem tudo do pior mas também tudo do melhor.

Muita coisa que acabou por se perder na nossa sociedade, lá ainda se vive. Acho que foi por isso que me fez tão bem estes tempos. As coisas ganham outro valor. O dia da Páscoa, por exemplo, que nunca tinha tido qualquer significado para mim, foi um dia muitíssimo especial. As Irmãs deram um chocolate e um refresco a cada criança e às voluntárias. Nunca me vou esquecer o significado que aquilo teve para mim. Que esforço é que temos que fazer cá para ter um chocolate ou uma Coca-Cola? É tudo tão fácil, tão acessível que já nada é valorizado; tudo se tornou banal.

Os dias foram passando neste orfanato e sentia-me cada vez melhor neste país pelo qual me apaixonei. Lá tudo é mais simples; tudo se vive com tranquilidade. Soube-me muito bem viver as coisas de outra forma, perceber que muitas vezes complico o que é simples, queixo-me do que não devo e na correria do dia-a-dia tudo me passa ao lado. Pensei muito em coisas que cá não tenho tempo ou talvez predisposição.

Quanto ao trabalho que lá desenvolvi, fiz de tudo um pouco; desde trabalho de enfermagem, apoio na escola, apadrinhamento de crianças, arrumar contentores, tratar das senhas da distribuição de alimentos pela vila, etc, tudo o que houvesse para fazer.

Percebi o enorme potencial que este país tem.

Há realmente muito trabalho para fazer. Toda a ajuda é preciosa. A toda a hora saltavam-me à cabeça ideias de coisas que se podiam fazer. Estava sempre com a cabeça a mil, mas rapidamente caía em mim e percebia que não era ninguém e que a resolução destes problemas vai muito mais além...sem dúvida que intervir numa sociedade com valores muito enraizados é uma tarefa extremamente difícil.

Assim, com bastante timidez, respeito e humildade, tentei contribuir um pouco com aquilo que podia, tentando dar alguma coisa aquelas crianças e a toda a gente com que me ia cruzando.

E muito rapidamente estes dois meses e pouco chegaram ao fim. Foi com uma enorme dor que me despedi de todos.

Senti um grande vazio quando cá cheguei mas não há dúvida que o tempo cura tudo. Já estou cá há um mês e pouco e embora ainda ande meia desorientada, acho que já entrei novamente neste frenesim que a nossa sociedade impinge. No fim disto tudo percebi que mais do que dar fui receber.

Só há uma coisa que ainda não estabilizou…a vontade em voltar para lá. Cada vez mais me apercebo que não fui o tempo suficiente. Dois meses não são nada. Quando uma pessoa começa a perceber todo aquele mundo é quando vem embora.

E é por sentir que esta experiência não me chegou que pretendo voltar para lá rapidamente.

Sei que mais uma vez é a altura ideal porque depois de começar a trabalhar nunca mais tenho esta predisposição. A vida pode nunca mais me permitir seguir nestas aventuras. Sei que ou faço agora ou nunca mais. Neste sentido ando à procura de algum projecto que necessite de voluntários, para desenvolver qualquer trabalho que precisem, de preferência na área da saúde. Já mandei vários emails para ONG´s, associações, projectos de Irmãs e neste momento estou a aguardar uma resposta. Espero muito em breve ter mais notícias, mas desta vez vindas directamente de Moçambique!!

 

As fotos foram enviadas, também, pela Paz! 

publicado por Nucha às 10:43
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De Anónimo a 15 de Setembro de 2009
Se penssássemos um pouco nestas populações,não seriamos tão egoistas,e valorizariamos o pouco que temos!Só quem viveu naqueles ambientes,sabe que relativamente a Eles,vivemos num luxo asiático.Mafalu
De Nucha a 15 de Setembro de 2009
Mafalu,
Acho que nunca valorizamos o que temos...
E é pena que não o façamos!
Abraço
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